Como seria viver em mundo onde não houvessem rótulos
ou títulos? O fato é que o ser humano é desde de sua origem um nomeador de
coisas, Gênesis explica bem esta questão, contudo, no passar dos anos, o homem
passou a nomear não só a fauna e a flora para facilitar sua comunicação e
cognição, mas também conceitos, momentos, atitudes, pessoas, tipos de pessoas,
doenças e por ai vai. Problema algum dar nome as coisas, mas começa a haver um
ruído quando o que se defini ou instrumentos argumentativos para se definir
algo, são falhos e não ajudam nem na comunicação, nem para que se pense a
respeito.
No mercado musical, temos exemplos bem claros, de como
os rótulos podem ser um problema. Os críticos adoram rotular essa ou
aquela particularidade musical de determinado artista, como se houvesse a
necessidade de enquadra-lo em um nicho, para também com isso direcionar o
perfil do mercado e fazer com que as pessoas sejam condicionadas a consumir uma
música que nem gostam ou que nem gostam tanto assim. Os estilos musicais estão
ai, defini-los musicalmente é algo até muito sadio, existem os que preferem o peso
e a distorção da guitarra e outros que preferem ritmos mais suingados e
percussivos. Mas claro, isso tudo só funciona, se definirmos musica usando
parâmetros musicais, os critérios para se criticar uma música devem ser
puramente musicais, afinal, o que mais pode ser usado para se criticar um
artefato artístico do que o próprio artefato artístico?
Pensemos. De maneira muito resumida, uma música possui
três características que podem ser claramente identificadas: melodia
(instrumentalização, construção melódica), ritmo (batida, velocidade) e poesia
(letra, discurso e etc.). Sabendo dessas três características muito básicas,
podemos começar a identificar questões importantes, se sabemos quais são as
características de uma música e os parâmetros para defini-la, definir música
usando parâmetros externos seria mudar o conceito de apreciação musical,
reduzindo a obra do autor. Afinal, se o sofá foi feito para se sentar, porque
insistimos em deitar sobre ele?
Considerando tudo isso, podemos chegar ao ponto que queremos.
Há uma anomalia no mercado musical brasileiro que nasceu nos grandes
ajuntamentos eclesiásticos, de músicos que quiseram levar sua “música de
igreja” para o palco, sem almenos considerar as peculiaridades do palco.
Quiseram transformar o palco em um púlpito. O que se dizia: “ Por que não levar
nossa música “legal” da igreja para fazer um show? Chamamos esse palco de
altar, e o público de igreja”. A ideia parece muito boa e evangelística, mas a
verdade começa a vir a tona quando se vê que nomear coisas segundo a sua
própria necessidade, gera uma serie de problemas, alguns deles irreparáveis.
Estamos falando Do mercado gospel, que passou a usar do argumento religioso
para definir musica, desconsiderando quase todos os parâmetros básicos para se
defini-la, construindo um tipo de mercado que só pode gerar idolatria, pois não
pode ser sustentado de outra forma, por que o gospel é um mercado que discursa
sobre o mercado, por mais que se defenda princípios cristãos, citações
bíblicas, ele faz parte de um mercado egoísta, segregador e muitas vezes
preconceituoso. Coca-Cola não e água e o gospel não é igreja.
Muitos se assustam ao verem afirmações como esta,
muitos se questionam “Afinal de contas, sou cristão e não tenho mais o gospel,
eu tenho o que então?”. Calma, respire, e comece a pensar, precisamos passar
por um processo de reeducação de apreciação musical, esse processo é longo e
demorado, pode levar muitos anos, mas disso falamos depois. Agora o que
precisamos é começar a apreciar uma canção como ela deve ser apreciada, não
estou dizendo para ninguém parar de escutar músicas que se originam da igreja,
a intenção não é ditar regras, mas mostrar como o nosso Deus é bom em deixar
que todos possam criar com liberdade, e que essa liberdade nem sempre tem haver
com libertinagem, a confissão de alguém não é fator definidor da qualidade
completa de determinada obra musical, seus ouvidos não vão cair, você não está
em pecado, muito menos poluindo seus ouvidos. Se entendemos a Boa Nova, teremos
a prudencia de reter o bem das coisas e termos critérios para apreciar
determinada canção, sem preconceitos ou julgamentos. O meu desejo é que
possamos viver em um mundo onde se entenda que música não é religião, que
confissão religiosa não é letra, que poesia não é reprodução de um discurso,
que possamos aprender a enxergar que na integralidade do mundo que o Deus único
criou para nós, serve para que possamos ser humanos de fato e nos relacionarmos
com a sua criação e isso tem tudo haver com música.